segunda-feira, junho 06, 2011

A mentira e a planta


Olho pra frente. Espelho em moldura de madeira torneada, bonita, vistosa. No reflexo uma imagem fabricada. Boas roupas, cabelo bem cuidado, olho e boca pintados. Sem sorriso ou choro, olho e vejo uma mentira. A mentira que sou.


Perceber que sou uma mentira anda sendo interessante. Ser surpreendida por pequenas aberturas das portas fechadas a sete chaves, por onde um pouco da luz da manhã passa, torna essa descoberta boa. Sem dramas. Afinal, dependendo da fase da vida, alguém pensar no tamanho da mentira que é pode deixar a pessoa meio zonza (ou até desesperada). Mas não é o caso, aqui.

Perceber o tanto de tempo investido em montar personagens, colecionando fragmentos de histórias desde pequena. Partes da história de outros; mãe, pai, irmãos, avós, gente que nem conheço, mas que de alguma forma grudou em mim. Ou por que achei legal, ou por disparar fantasias infantis, ou por me trazer medo, ou por querer ser exatamente como aquele alguém é. Tanto é assim – um emaranhado de histórias – que recordo dos meus maiores desejos de infância: ser rica, morar num castelo com paredes de ouro, me chamar Lígia e ser secretária. Um bando de coisas nem sempre compatíveis, vindas de todos os lugares, como tijolos irregulares usados pra fazer uma casa. E, assim, a construção acontece, tijolos tortos, um pouco de cimento, brita e certo acabamento que é pra casa parecer bem feita.

Então, os anos passam e o material continua sendo entregue. E eu vou acolhendo tudo, incrementando a casa. Parto para o próximo andar com quartos enormes onde possa caber a idéia do que é ser bem sucedida no trabalho, que tipo de mãe devo ser e crenças sobre dinheiro, felicidade, relacionamentos e o escambau.

O aglomerado aumenta e eu sigo acreditando que sou tudo isto. E, mais, sigo redecorando a construção na esperança de achar algo cada vez melhor. Mais bonito, mais digno, mais respeitoso, mais sexy, mais forte, mais importante. Algo que finalmente seja minha razão de viver. Até que começo a perceber que os tijolos e o cimento – tudo aquilo que juntei – são de baixa qualidade, incapazes de manter em pé o edifício construído. E assim vão surgindo as infiltrações e rachaduras. Imperfeições comuns a qualquer construção velha e perfeitamente previsíveis.

Mas, da imperfeição surge lá em cima, no telhado, o broto de uma planta. Uma planta verde, uma flor, germinando ali na umidade, no calor e no frio. Sobre um monte de concreto. Sobre todas as mentiras que juntei.

Então volto ao espelho. No espelho eu me vejo. Reconheço a mentira que sou. Mas ao fundo, pela janela refletida no espelho, percebo a planta que cresce sobre tudo. Planta de verdade, feita pela natureza, como eu.


Quem sou eu

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Imbituba, SC, Brazil
Gosto da escrita e quebrei o cadeado da porta por onde passam minhas emoções e vontades. Procuro o novo nas coisas que se repetem no dia-a-dia e escrevendo percebo e vivo intensamente as descobertas. E tudo que escrevo me alivia, me faz rir, me arrepia.

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