quarta-feira, junho 29, 2016

A folha e eu

Uma folha de papel é um mundo de possibilidades. Eu posso rabiscar, escrever, desenhar, sujar. Qualquer expressão é possível. Aqui, parada em frente a ela, é isto que me vem à cabeça. E rabisco caoticamente na tentativa de aliviar minha confusão.

Mas também poderia ser ela simplesmente branca, não? Sem nenhum registro, nenhuma história e opinião. O que seria dela permanecendo limpa? Qual a utilidade se não houver escrita ou desenho? Seria ela uma folha em vão?

Algumas vezes me sinto uma folha. De um lado rabiscada e de outro, branca. Dividida. Uma face quer se mostrar, realizar algo que não sabe o que é. Na minha interpretação vejo uma expressão infantil, desenho de criança muito pequena que simplesmente quer expressar o que não cabe em si. Outra face quer nada, quer silencio, quer ficar simplesmente sem função. Branca.

Porém o que pulsa agora em mim é por que sigo querendo escolher só um lado da folha. Ou o que me faz acreditar que esta folha, mesmo tendo visivelmente dois lados, não é uma coisa só? Pra que dividi-la em vez de aceita-la da forma simples que ela se apresenta, totalmente disponível?

No meio destas perguntas me abandono, me deixo ir. Porque a insistência em criar divisões é o que me estressa e me confunde. E a disponibilidade desta folha provoca ainda mais a inquietude que, no momento, habita em mim. Pois ela segue mesclando tudo, sem importar-se com o conteúdo, sem omitir opinião. Sendo apenas uma folha onde registros são feitos e, entre eles, espaços vazios se apresentam.

E eu aqui me pergunto como faço pra ser como ela? E a resposta vem rápida e clara: Ser exatamente como sou e tu exatamente como és. E o exercício é, talvez, estarmos mais alertas para o fato de que a expressão do nosso potencial tem relação direta com a disponibilidade para que tudo ou nada passe por nós. E independente do que o registro, ou a falta dele, desencadeie, o mais belo é seguirmos disponíveis para a vida. Somos muitas folhas de papel.

terça-feira, outubro 28, 2014

Na extremidade há uma tinta que mancha a folha. Caneta. Na base uma tela branca permeada de linhas horizontais. Folha. Entre ambos, coração, mente, mãos e pés. Eu. Da mistura de tudo nasce a palavra e da palavra outra palavra. Frase. De muitas frases vem uma forma. Ou várias. Ou forma alguma. Porque quem gosta de dar forma às coisas, enquadrar sentimentos e emoções é a mente. Mas com ela também escreve o coração. E sabe-se então que não há forma ou conteúdo pro que se sente no peito. Existe sim, uma vontade permanente de compartilhar algo de dentro, sem palavras, sem nome, sem endereço. A mão direita entra em ação. Movimenta-se rápida, de modo constante e sem pausa. Ela tem pressa em colocar na folha o que vem da mente coração. Ela deseja espalhar na tela branca uma tinta permanente e anseia imprimir ali um significado pra tudo. A mão esquerda, condescendente, observa. Os pés cruzados sob a mesa permanecem imóveis, pois dali não necessitam sair. Eles não precisam de movimento. Os pés silenciam. E subitamente, a partir deles, o silencio cresce e tudo desaparece.

quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Espelho

Parada em frente ao espelho, redondo como a Terra, percebo que ando somente em meio as suas bordas. Esse andar entre bordas me aprisiona, me entristece, me desespera. Então, por um momento, dou um passo pra trás e percebo a parede que suporta o espelho e todas as coisas que o circundam e nele se refletem. O mundo é vasto e as possibilidades também. 

Não preciso quebrar o espelho quando nele vejo o que não gosto em mim.  Mas posso entender de vez que a vastidão percebida além dele é minha também. 

domingo, junho 09, 2013

Cortando sonhos

Foco minha atenção em vasculhar minha vida financeira. E não por estar mal de grana. Mas, sim, por ansiar uma vida mais simples. Há três semanas iniciei um trabalho de planejamento para uma nova vida (faz mais tempo, porém agora a coisa está declarada). Digo que é duro encarar de frente o quanto ganho e o quanto gasto. No que gasto, como gasto. Com que consciência gasto.


Este trabalho mexe comigo mais do que poderia imaginar. Vai além do dinheiro, muito além. Hoje, abri minha planilha de custos e a primeira coisa que senti foi vontade de fecha-la correndo, mas me mantive firme no propósito de olhar para o que estava ali. Fiquei olhando, olhando e pensei: Não vou conseguir mudar isso! E foi aí que escorreguei pro lado, esqueci o foco do negocio e comecei a criar um layout mais bonito pro arquivo em excel. Afinal ele estava muito cru, simples, feio. Eu poderia deixa-lo mais bonito, amigável e outras distrações. Distrações? Sim, distrações! Eu vi, claramente, no exato instante em que acontecia como minha mente funciona quando eu sei que preciso olhar e resolver algo, mas tenho medo e jogo toda minha atenção para a periferia, para a superfície. Do cacete, mágico, lindo, tudo isso!

Pois, voltei ao foco. Alimentei a planilha com média mensal de custos de casa, beleza, filho, saúde, restaurante (o item mais agressor!), transporte, roupa, entretenimento, cartão de crédito e supermercado. Tudo. Projetei para os próximos 12 meses. Cortei vários Reais. Interessante é que há um tempo, quando pensava em cortar Reais, a sensação de cortar sonhos vinha como acompanhante – e o consumo é um sonho. Sonho de ser mais bonita, de andar com o melhor figurino, de andar com melhor carro e de comer em restaurantes caros porque são os melhores. Sonho de ser reconhecida pela minha lata. Que logo ali na frente enferrujará. Mas mesmo assim cortei os custos com uma gana do cão. Terminei meu tema de casa, observando a tal planilha e senti uma excitação e alegria as quais andavam me visitando pouco. Eu senti que acabava de fazer uma escolha diferente dos meus padrões. Senti o fogo queimando um monte de coisas velhas e que não me servem mais.

O centro desta questão não é a vida financeira, como disse antes. O centro é outro. É dentro mas tão grande que acerta em cheio tudo o que está fora de mim. E por esse momento, sinto que sou livre pra fazer qualquer escolha. Inclusive a de cortar os sonhos e viver a realidade.

Again

Achei o que estava esquecido, dei nome novo e tento agora reativar. Depois de tempos sem escrever, volto por pelo menos este instante...

segunda-feira, junho 06, 2011

A mentira e a planta


Olho pra frente. Espelho em moldura de madeira torneada, bonita, vistosa. No reflexo uma imagem fabricada. Boas roupas, cabelo bem cuidado, olho e boca pintados. Sem sorriso ou choro, olho e vejo uma mentira. A mentira que sou.


Perceber que sou uma mentira anda sendo interessante. Ser surpreendida por pequenas aberturas das portas fechadas a sete chaves, por onde um pouco da luz da manhã passa, torna essa descoberta boa. Sem dramas. Afinal, dependendo da fase da vida, alguém pensar no tamanho da mentira que é pode deixar a pessoa meio zonza (ou até desesperada). Mas não é o caso, aqui.

Perceber o tanto de tempo investido em montar personagens, colecionando fragmentos de histórias desde pequena. Partes da história de outros; mãe, pai, irmãos, avós, gente que nem conheço, mas que de alguma forma grudou em mim. Ou por que achei legal, ou por disparar fantasias infantis, ou por me trazer medo, ou por querer ser exatamente como aquele alguém é. Tanto é assim – um emaranhado de histórias – que recordo dos meus maiores desejos de infância: ser rica, morar num castelo com paredes de ouro, me chamar Lígia e ser secretária. Um bando de coisas nem sempre compatíveis, vindas de todos os lugares, como tijolos irregulares usados pra fazer uma casa. E, assim, a construção acontece, tijolos tortos, um pouco de cimento, brita e certo acabamento que é pra casa parecer bem feita.

Então, os anos passam e o material continua sendo entregue. E eu vou acolhendo tudo, incrementando a casa. Parto para o próximo andar com quartos enormes onde possa caber a idéia do que é ser bem sucedida no trabalho, que tipo de mãe devo ser e crenças sobre dinheiro, felicidade, relacionamentos e o escambau.

O aglomerado aumenta e eu sigo acreditando que sou tudo isto. E, mais, sigo redecorando a construção na esperança de achar algo cada vez melhor. Mais bonito, mais digno, mais respeitoso, mais sexy, mais forte, mais importante. Algo que finalmente seja minha razão de viver. Até que começo a perceber que os tijolos e o cimento – tudo aquilo que juntei – são de baixa qualidade, incapazes de manter em pé o edifício construído. E assim vão surgindo as infiltrações e rachaduras. Imperfeições comuns a qualquer construção velha e perfeitamente previsíveis.

Mas, da imperfeição surge lá em cima, no telhado, o broto de uma planta. Uma planta verde, uma flor, germinando ali na umidade, no calor e no frio. Sobre um monte de concreto. Sobre todas as mentiras que juntei.

Então volto ao espelho. No espelho eu me vejo. Reconheço a mentira que sou. Mas ao fundo, pela janela refletida no espelho, percebo a planta que cresce sobre tudo. Planta de verdade, feita pela natureza, como eu.


quarta-feira, dezembro 08, 2010

Tudo o que uma cabeça pensa ao mesmo tempo

Hoje acordei e fui tomar banho. Me ensaboando pensei no negócio que fechei, na noite mal dormida que tive, nas roupas que não lavei, no carro que ainda não troquei, na festa que não sei se vou, em uma amiga separada viúva que vai receber pensão. No meu pai que quase não vejo, na meditação que não fiz, no meu joelho que faz barulho, na quantidade de baboseiras que vejo no Twitter, se há quantidade padrão de sexo que devo fazer.


Sai do banho e fui tomar café. No primeiro gole pensei nas contas pra pagar, na sorte que tenho na vida, na roupa de teatro da minha filha, no cliente mala que quer tudo e não dá nada em troca, na vida que levo, na vida que não levo. Pensei nas paredes que preciso pintar, no sofá que está velho e deixou de ser branco, nos excessos que cometi, nas faltas que tenho.

Vesti minha roupa e quando fui me maquiar continuei pensando. Pensei na oficina literária que não fiz este ano, na peça infantil que nunca acabo, na depilação que ainda não fiz, no parceiro amigo-amor-tesudo que tenho, nos poucos amigos que tenho, nos verdadeiros amigos que tenho. Pensei em alguns desafetos, no risoto de copa e alecrim que vou comer daqui a pouco, nos presentes de Natal ainda não comprados.

Entrei no carro, virei a chave e a porra da cabeça continuou funcionando. Pensei na sensação que vai e volta de estar faltando alguma coisa na vida, pensei na minha felicidade quando descobri minha gravidez, na minha tristeza quando descobri que minha filha tinha um problema neurológico, na alegria e contentamento em vê-la correndo, patinando, dançando.

Cheguei no meu destino e desliguei o carro. Pensei na resposta que devo dar a alguém, na abundância da minha vida, na colega de trabalho que estou com dificuldade de me relacionar, no que as pessoas pensam de mim, no que eu penso das pessoas. Pensei nos julgamentos que faço, pensei na minha chupeta e na minha mamadeira que usufrui até os seis anos. Pensei nos estímulos modernos que nos levam pra fora, pensei nos satsangs da Avinash que me levam pra dentro.

Sai do carro e fui recebida por um cliente. Pensei que ele era simpático e que me dava prazer estar ali. Pensei que gosto do meu trabalho, nas coisas chatas que fazem parte dele, no dinheiro que ganho na minha profissão, nas coisas que posso comprar, nos lugares que posso viajar. Pensei no quanto gosto de dançar na sala sentido o pé roçar no tapete, dormir no sofá, transar na luz do dia, na reserva financeira pra caso de emergência, no sapato que sempre preciso comprar.

Entrei na sala de reuniões e me ofereceram café. Tomei um gole e nada. Tomei outro gole e nada também. Nada de pensamento. Nada de trolóló. Cabeça vazia por um breve instante. Foi o presente do dia.

Quem sou eu

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Imbituba, SC, Brazil
Gosto da escrita e quebrei o cadeado da porta por onde passam minhas emoções e vontades. Procuro o novo nas coisas que se repetem no dia-a-dia e escrevendo percebo e vivo intensamente as descobertas. E tudo que escrevo me alivia, me faz rir, me arrepia.

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